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O Erro de Fernando Araújo

Sou blogger em Saúde e tenho cerca de 253 edições de editoriais que escrevo todos os meses cada mês desde o início da criação do Fórum Hospital do Futuro nos idos anos de 2003, e é a primeira vez que faço uma transcrição integral no meu espaço editorial, mas o valor desta peça, pela sua relevância para o momento atual, assim o justifica.

“O nascimento, ascensão e queda da direção-executiva do Serviço Nacional de Saúde, encabeçada por Fernando Araújo, é uma história exemplar. Nasceu sem se saber bem como. Foi crescendo aos trambolhões sem se perceber muito bem para onde ia. Acabou sem se perceber muito bem porquê. Teve vida curta num sinuoso e atrapalhado percurso. Finou-se sem honra nem glória. Não por demérito próprio, por falta de competência ou de boa vontade, mas por esgotamento de um modelo arranjado à pressa, que pareceu sempre um corpo estranho nessa babilónia burocrática que é o SNS.

Fernando Araújo, o técnico que todos elogiam, acabou vítima de si próprio. Cometeu o erro de acreditar, para usar uma expressão popular, que é “possível endireitar a sombra de uma vara torta”. A direção-executiva do SNS nasceu torta e assim acabou. Foi apresentada de repente no meio de uma forte contestação do sector ao Governo de António Costa, no verão de 2022. Cedo se percebeu que a maior reforma do SNS desde a sua fundação, nas palavras do próprio primeiro-ministro, não passava de uma iniciativa apressada para calar os protestos. Durante meses Fernando Araújo não teve equipa, nem instalações, nem competências atribuídas. Enquanto Manuel Pizarro, o ministro da Saúde, se desdobrava em declarações e promessas, Araújo penava numa missão sem meios, enfrentando uma guerra sem armas.

O desmantelamento da estrutura do SNS que a direção-executiva deveria substituir, deu mais um passo no início deste ano, com a extinção das Administrações Regionais de Saúde. Um ano e meio depois. Problema. Ninguém sabe muito bem o que fazer às centenas de funcionários das ARS, nem às competências que lhe estavam atribuídas, essenciais ao funcionamento do sistema. Há relatos de caos burocrático, com graves prejuízos para os utentes. A “maior reforma do Serviço Nacional de Saúde” é mais um caso de experimentalismo político, de amadorismo técnico e da insuportável leveza com que em Portugal são tratados assuntos sérios.

Fernando Araújo acreditou num modelo que funciona noutros países. Um modelo que faz sentido. Um modelo que coloca os profissionais, e não os políticos, a gerir uma estrutura tão complexa e exigente como é o SNS. Acreditar que isso era possível em Portugal foi o seu erro. Um país onde a política convive mal com a fiscalização dos reguladores e com a independência das instituições, dificilmente consegue lidar bem com a autonomia e o profissionalismo das estruturas que tutela. É preciso alimentar o protagonismo dos ministros e a incompetência dos burocratas.

Podia ser diferente sem mudança do Governo? Como já escrevi, não acredito. Mais tarde ou mais cedo, o voluntarismo político e a competência técnica entrariam em confronto. É a natureza do poder, em Portugal. Da “grande reforma” anunciada por António Costa resta agora uma estrutura que provavelmente ninguém sabe muito bem o que fazer com ela. Exemplar.”

Luis Marques, in Semanário Expresso, Economia 10/05/2024

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By | 2024-06-10T17:45:28+01:00 Junho 10th, 2024|Categories: EDITORIAL|Comentários fechados em O Erro de Fernando Araújo

About the Author:

Uma Trajetória de Sucesso em Colaboração, Inovação e Empreendedorismo Social --> Formação Acadêmica e Experiência Docente: Formado em Psicologia Social e das Organizações pelo ISPA, Paulo Nunes de Abreu possui um mestrado em Gestão de Informação pela Universidade de Sheffield e um doutoramento em Ciências da Gestão pela Universidade de Lancaster. Entre 1996 e 2000, foi docente no Instituto Superior de Psicologia Aplicada e na ISEG (Escola de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa). Experiência profissional como Consultor: Bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, Paulo Nunes de Abreu concluiu o seu doutoramento em 2000. Desde então, acumulou vasta experiência como consultor, colaborando com o Governo Regional da Madeira (Direção Regional de Saúde) e participando em diversos projetos de consultoria e investigação com instituições de renome como o ISEG, INETI, Câmara Municipal de Évora, EDP, Ministério da Saúde de Portugal, Eureko BV, Observatório Europeu da Droga e PWC em Espanha. Especializações e Contribuições Relevantes: Certificado como facilitador profissional pela IAF (International Association of Facilitators), Paulo Nunes de Abreu teve um papel crucial na criação das Cimeiras Ibéricas de Líderes de Saúde em Espanha e foi co-fundador do Fórum do Hospital do Futuro em Portugal. Especializado em GDSS (sistemas de apoio à decisão em grupo), projetou intervenções para otimizar processos de mudança e inovação nos setores de saúde e educação. Atuação Atual e Abordagem Profissional: Desde 2021, Paulo é co-fundador da Debate Exímio Lda, uma spin-off do col.lab | collaboration laboratory Ltd., empresa sediada em Londres e editora da série de livros "Arquitetar a Colaboração", que aborda princípios, métodos e técnicas de facilitação de grupos. A sua trajetória, combinada com a experiência como residente em vários países e atualmente em Portugal, moldou uma abordagem profissional focada em colaboração, inovação e empreendedorismo social.